Durante muito tempo da minha infância fui habituado a adormecer com a minha mãe a ler-me os livros de BD do Tio Patinhas, Pato Donald, Turma da Mónica, etc...
Devo assumir que, depois dos livro do "Petit Nicolás" que a minha mãe traduzia para me contar, era aquilo que mais gostava de ouvir/ver antes de dormir e, talvez por isso, cresci com uma adoração especial pelas personagens da Disney (algo mais tarde aguçado pela Bela e o Mostro, na primeira vez que fui ao cinema) e, como qualquer criança que se preze, segui de perto os desenhos animados das "minhas" personagens de BD que me entretinham quando chegava da escola enquanto lanchava e comia um pão com salame e bebia um copo de leite simples.
Os anos foram passando, eu fui crescendo e fui ficando menos interessado por esse tipo de "bonecos", apareceram as boas relações com amigos, as tardes a passear, jogar futebol e depois, claro, as raparigas e a vontade de sair nem que fosse para as ver.
Durante muito tempo esqueci-me das BD's e dos desenhos animados, fiquei-me por um filme animado, muito ocasionalmente e por conversas da "parvalheira" com os amigos como aquilo mais aproximado com os tempos em que era uma criança.
Porém e por obra do acaso, ao arrumar o meu quarto deparei-me com um livro do Pato Donald que tinha guardado há anos e que acabei por não dar ou perder no meio dos livros da minha mãe e, assim do nada, tive saudades.
Saudades dos tempos das histórias de dormir, das futeboladas com os amigos e dos tempos em que as amizades eram simples, as raparigas "eram homens" e o único problema que tinha era o saber como seria capaz de esconder da minha mãe o rasgão que fiz quando caí a jogar à apanhada.
Sou uma pessoa nova e não posso dizer que esta nostalgia faça assunto por me encontrar naqueles que são vistos como os melhores anos da vida de uma pessoa mas a verdade é que me custa imenso ver a relação do Cebolinha e do Cascão, a proximidade entre o Huguinho, o Zézinho e o Luísinho e não me lembrar que na altura o meu melhor amigo eram todos os rapazes da rua que jogavam comigo quando queria e que alinhavam numa caça às maçãs da sra. Maria às tantas da noite.
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Quando as crianças brincam
E eu as oiço brincar,
Qualquer coisa em minha alma Começa a se alegrar
E toda aquela infância
Que não tive me vem,
Numa onda de alegria
Que não foi de ninguém.
Se quem fui é enigma,
E quem serei visão,
Quem sou ao menos sinta
Isto no me coração.
Fernando Pessoa, Cancioneiro

